segunda-feira, 29 de junho de 2009

Talismã

Ela era ruiva. Ele macabro. Ela tremia. Ele a olhava.

Ela sabia, no entanto, que naqueles olhos frios estava sua única esperança. Entregou as poucas moedas que caíram na mesa com o tremor de suas mãos. Precisava de respostas e, em sua cabeça, não havia outra maneira de consegui-las. Pegou o talismã e saiu.

Correu pela floresta pedindo a Deus que a fizesse forte. Sabia que o que encontraria com a ajuda daquele objeto poderia ser pior do que o seu coração estava preparado para agüentar. Sem pais, irmãos ou amigos aquele gato era sua única companhia e estava sumido sem ao menos uma pista.

Sim, era um gato o motivo de toda a comoção. Mas não qualquer gato. Seus olhos brilhantes, pêlos lisos e macios como fios de seda e andar esperto já haviam conquistado muitos prêmios em anos passados. Seu antigo dono, um velho barão meio manco que morava na cidade o doou à pobre menina daquele povoado distante depois que o mesmo ganhou mais atenção do que ele. Matérias nos jornais anunciaram o sumiço do “gato de ouro”, mas o barão soube escondê-lo bem.

Fosse somente o gato talvez a comoção e o medo tivessem menos espaço naquela mente, mas havia uma maldição. “Aquele que deixar esse gato a sofrer, sofrerá seis vezes mais no inferno a arder” – disse o barão ao entregá-lo à menina. O medo a fez se apegar e cuidar tanto que passou a amar de verdade, e agora, dava lugar à coragem de descobrir por onde andava o bichano perdido.

Aliás, perdido não, pois havia mais mistério nesse sumiço do que uma simples corrida para uma rua distante. Ele não era o único. Todos os gatos dos quais se tinha notícia no povoado haviam sumido. Naquele momento, no entanto, apenas um importava.

***

Correu tanto que se cansou. Parou para descansar e dormiu profundamente com a cabeça reclinada em uma pedra. Acordou no dia seguinte com o sol que vinha pela clareira e refletia nos seus cabelos ruivos. Levantou se sentindo mais segura. Sentia já estar longe o suficiente para testar os poderes daquele pequeno objeto. Mesmo assim andou um pouco mais até achar um riacho. Lembrou-se do que havia dito o homem:

“Deixe cair o talismã sobre a relva mais verde e que o sol reflita seus raios sobre a pedra de ônix. O lugar desejado se verá como agora não poderás compreender.”

Tremeu novamente. Olhou para o solo e imaginou nunca ter visto relva mais verde que aquela. Olhou para o sol e estava a pino. Tirou o cordão que havia pendurado no pescoço e, como para não perder a coragem, lançou-o ao chão de imediato. Nada. Nenhuma explosão, raios de luz ou vozes do além. Somente um leve brilho que realçava a beleza do ônix.

“Charlatão!” - pensou a menina - “Uma eternidade de sofrimentos me espera”.

Pendurou a pedra que brilhava ainda sobre o peito novamente. Sabia voltar para o povoado, mas sentiu vontade de sumir. Fugir para bem longe, num lugar onde nada a pudesse atingir. Nem mesmo a maldição do Barão. Queria somente chorar. E chorou. Muito.

Chorou tanto que seus olhos tinham a vista embaçada. Já não enxergava um palmo à sua frente. Enxugou os olhos, então, e viu um desenho perfeito, sulcado na terra pelas lágrimas que caíram de seus olhos. Viu no desenho o rosto do felino e os olhos do barão onde uma última lágrima vinda de seus olhos pousou. Bastou para que entendesse tudo.

Deixou-o ir. Talvez assim, um Barão outrora de olhos marejados pudesse ser seis vezes mais feliz.

Créditos desta história para minha amiga Fernanda que com sua criatividade bolou os personagens chave e os motivos.

2 comentários:

Fê disse...

Criados por mim... mas idealizados por você. Parabêns Bruno... você tem o dom de dar vida aos pensamentos mais desconexos que já vi. E obrigada amigo, por tornar realidade o sonho de uma apenas admiradora da literatura.

Bruno Moraleida disse...

Modesta demais essa menina...