João "Sonho e Dor"
Ele não queria acordar. Sabia que o mundo lá fora estava correndo mas tinha esquecido seus tênis no dia anterior.
Era sábado.
Ligou o chuveiro ainda um pouco zonzo e, na sua cabeça, não havia nada que o pudesse tirar dali nos próximos 45 minutos. A água não muito quente nem muito fria lhe ativava a circulação e trazia seus sentidos à vida pouco a pouco, mas foi o susto que levou com as batidas na porta que completou o serviço.
- Sai já daí, menino! Vai ficar atrasado!
Dona Janice não gostava da idéia de um filho preguiçoso e isto não era segredo pra ninguém:
- João trabalha na feira porque quer! Filho meu não nasceu pra ficar na cama. Se estudar fosse suficiente, o mundo não estaria cheio de vagabundos como está. Meu João não! Vagabundo ele não vira.
João tinha seus doze anos e pouco sabia sobre a vida. Gostava mesmo era de brincar e comer - mas, cá entre nós, quem é que não gosta? Trabalhando na feira, cobiçava os bolinhos de sonho vendidos na banca de frente à sua e no dia do pagamento, esperava ansiosamente a hora de abocanhar um deles.
Sonho para João não era só o bolinho que comia com a boca melhor do mundo. Sonho era conhecer a cidade, ouvir o barulho das avenidas e andar de metrô. Vida que só conhecia na televisão.
De vez em quando vinham alguns homens de terno, passavam pela sua banca, compravam lembrancinhas e iam embora. O olhar de João por muitas vezes se perdeu nas riscas de giz daqueles ternos. Era assim até que chegasse o próximo cliente e o tirasse do transe.
Independente do sonho, João não saía com eles da feira às 18h. Seu mundo ficava ali. No lugar onde a preguiça não existe, mas o sonho precisa custar vinte e cinco centavos para se realizar.
Um comentário:
"Sonho feito de brisa vento vem terminar..."
Lembrei dessa musica enquanto lia o post... Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant.
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